Análise crítica de João Kassahara.
A Escola Literária e o Autor podem ser determinantes na interpretação da obra?
Decerto, uma obra literária pode ser o resultado do seu tempo e do pensamento do autor naquele momento, mas, no que diz respeito à criatividade e focos diversos deste, a obra pode tomar duplo sentido ou rumos contraditórios ao esperado. Um escritor, por meio do seu narrador, pode criar várias histórias sem se prender à sua época, pode morar no polo sul, dentro do seu iglu, e falar de fogo e calor, como também, pode ter uma imagem social correta e ser hipócrita. Os textos podem apresentar múltiplos narradores e sentidos.
Muitos generalizam as obras do dramaturgo, escritor e músico Chico Buarque, como sendo uma alusão à Ditadura Militar. As críticas ao Regime Militar no Brasil foram temas do autor em 1969 nas canções "Apesar de você" e "Cálice". Porém, a Canção "A Rita" foi elaborada em 1965, época aproximada do casamento com a atriz Marieta Severo. A palavra "Rita" parece um fragmento de "Ditadura" e "Marieta", coincidentemente (pesquisei datas e nomes na internet). Chico pode ter construído a canção "A Rita" associando estes dois referentes ("Ditadura" e "Marieta").
Esses fenômenos quando explícitos ou implícitos no tempo e espaço influenciam na interpretação. O leitor não conhecendo a origem da canção (ou sabendo que o autor está vivo), torna a interpretação livre. Quando ligada à Ditadura, a torna vinculada à censura. Se associada à Marieta Severo, faz acreditar que Chico teve conflitos passionais (atualmente vivem separados). Caso o leitor conheça as duas fontes, pode asserir que o fato e o sentimento se interrelacionam de qualquer forma, em níveis diferentes. Por isso, é importante uma referência temporal e espacial na interpretação de qualquer obra: uma data ou um fato.
Outro item observado na canção são os sentidos das palavras, frases e discursos que se aproximam, se afastam, se assemelham e se diferenciam. Nota-se que as polissemias, sinonímias, antonímias e os outros recursos dos sentidos entre palavras se estendem entre as frases e entre os textos. Formando-se assim, uma cadeia de Hiperônimos e hipônimos de sentidos. Portanto, as interpretações literárias são pássaros que pousam de mãos em mãos, e se vão. Num amaranhado de semas.
Nos versos 1 e 2 "A Rita levou meu sorriso No sorriso dela" Aparecem polissemia nas palavra sorriso = felicidade, e sorriso = poder. Sendo também uma expressão homônimas, ou seja, o mesmo som e grafia, mas sentidos diferentes.
No 6º verso "E Arrancou-me do peito". é uma metonímia: tirou a minha liberdade
No verso 8 "Levou seu retrato, seu trapo, seu prato". Neste paralelismo revela-se a Paranomásia, que é significantes com imagens acústicas (impressão) semelhantes, construídos a partir do tema implícito Pertences Pessoais. Sendo este um possível hiperônimo dos hipônimos: retrato, trapo, prato.
Nos versos 10 e 11 "Uma imagem de são Francisco" "E um bom disco de Noel". Este é uma metonímia (disco de música do Cantor Noel Rosa) e aquele é uma alegoria de fé.
No verso 12 "A Rita matou nosso amor". Essa transposição é uma metonímia ou transnominação: Rita destruiu nossa paixão.
Nos versos 14 e 15 deixou e levou (como parado e movimento) formam um sentido de Antonímia ( forma uma aproximação com a antítese e o paradoxo).
No verso 17 "Mas causou perdas e danos". Perdas e danos remetem a prejuízo de qualquer natureza, portanto, pode-se dizer semanticamente que são sinonímias (têm uma aproximação com as comparações, metáforas, metonímias).
Nos versos 23 e 24 "Me deixou mudo Um violão" A personificação tece um violão calado, triste e sem ânimo, representando o sentimento do homem.
Abaixo faço uma comparação semântica em direção as vertentes: Ditadura e Marieta Severo.
A Rita Semas com traços da Ditadura Semas com traços da Marieta (esposa) A Rita levou meu sorriso Levou minha felicidade Ela é muito sorridente. Me deixou No sorriso dela meu assunto Se mantém no meu silêncio Levou um pouco de mim Levou junto com ela Tirou a Liberdade de expressar minha opinião Levou junto com ela a esperança de casar e ser feliz – direito de todo homem. Acabou com os meus sonhos. Levou seu retrato, seu trato Levou à sua maneira, seu jeito, seus erros. Algo escrito, uma mensagem Levou sua imagem, seu companheirismo, seus defeitos, que encenação teatral (é atriz) Uma imagem de São Francisco Levou a fé / esperança Fé / esperança E um bom disco de Noel Prazer na arte, na amizade Prazer no amor A Rita matou nosso amor de vingança Acabou com a Arte por vingança. Rita se vingou de um erro que cometi. E nem herança deixou Não deixas nada de bom Nem filhos eu tenho com ela Não levou um tostão Não levou bens materiais Nada levou Porque não tinha não Não os tinha Somos jovens mas causou perdas e danos Prejuízos Perdi com isso Levou os meus planos Sonhos Planos de uma família Meus pobres enganos Ilusões Meus sonhos Os meus vinte anos Ele nasceu em 1944 - Início da ditadura de 1964 Desde novo sonhava tanto com este romance. E o meu coração E além de tudo E o meu sentimento. E o meu sentimento. Me deixou mudo O violão Sem vida, sem ânimo, sem expressão Sem vida, sem ânimo, sem vontades.
(Chico Buarque de Hollanda)
O que me é de direito
Arrancou-me do peito e tem mais
Seus trapos, que papel !
a 1985
Nenhum comentário:
Postar um comentário